Os bancos enfrentam altos custos com a validação de identidade, que é feita de forma independente, desperdício de recursos e ineficiência. A centralização liderada pelo Bacen pode transformar esse cenário e trazer benefícios significativos.
Importante saber:
O Bacen tem acesso a dados de todas as instituições financeiras.
A centralização pode reduzir custos em até 60%.
A detecção de fraudes seria mais eficaz em uma visão integrada.
Toda vez que você abre uma conta em um banco, há aquele processo chato de validar sua identidade. Documentos, selfies, perguntas. Parece necessário. O problema é que isso acontece várias vezes com a mesma pessoa. João abre conta no Banco A, valida. Depois abre no Banco B, valida novamente. Fintech? Valida de novo. Mesma pessoa, mesmos documentos, mesmos resultados. Tudo feito separadamente, como se a validação anterior nunca tivesse acontecido.
Isso custa caro. Bancos grandes gastam entre 30 e 60 milhões de dólares por ano com compliance de identidade. Globalmente são 25 bilhões anuais, segundo estudo da Capgemini. A maior parte desse esforço é a coleta e o processamento de dados, ou seja, exatamente o tipo de coisa que deveria estar centralizado em um único lugar.
O Bacen vê o que ninguém mais vê
Aqui está o ponto que importa: o Banco Central já está no centro de tudo isso. Recebe dados de todas as instituições financeiras, tem acesso ao Sistema de Informações de Créditos, vê padrões agregados de transações de toda a população, integra listas de sanções internacionais. O Bacen tem uma visão de rede que nenhum banco individual consegue ter.
Um banco individual vê seus próprios clientes. Tem acesso ao SCR, sim, mas cada um valida a identidade de forma independente. Nenhum banco sabe o que o outro já validou. Nenhum banco consegue enxergar padrões que só aparecem quando você olha para a rede inteira.
Quando um documento é clonado e usado em 15 contas diferentes, cada banco vê "tudo ok". Quando 50 contas são abertas no mesmo dia com padrão coordenado, cada banco vê "clientes normais". Quando uma pessoa recebe o nome de alguém em lista de sanção internacional, a detecção pode acontecer em tempos diferentes, dependendo de quando cada banco atualiza suas listas. O Bacen veria tudo isso instantaneamente.
Como funciona lá fora
Portugal começou isso em 2007. Criou um sistema centralizado chamado Autenticacao.gov.pt onde qualquer instituição valida identidade de um cidadão contra uma base única. Resultado? Custos caem, clientes não precisam validar várias vezes, dados estão sempre atualizados em um único lugar.
Estônia foi além. Em 2024, lançou um serviço centralizado de KYC que detecta documentos clonados e fraudes coordenadas ao longo de toda a rede. Economizaram 2% do PIB anual e 1.407 anos de trabalho humano só por eliminar duplicações.
A Europa viu isso funcionar e criou uma regulação chamada eIDAS 2.0, que obriga todos os membros da União a implementar a validação centralizada. Quando o regulador tem uma visão sistêmica, a validação de identidade é realizada melhor. É tão óbvio que virou lei.
O valor real não é apenas economizar
Sim, eliminar duplicações economiza dinheiro. Os dados mostram uma redução de 25 a 50 por cento em custos quando você centraliza. A Capgemini documentou que a mutualização entre bancos pode reduzir custos em até 60 por cento. Estônia economizou 2 por cento do PIB. Para o Brasil, se os dez maiores bancos gastam entre 300 milhões e 500 milhões de reais por ano em KYC, uma redução de 30 por cento seria de 90 a 150 milhões de reais economizados anualmente.
Mas o valor real é outro. É detecção de fraude que nenhum banco isolado consegue fazer. Um banco A valida João e tudo fica ok. João depois abre uma conta no Banco B e faz transações com padrão totalmente diferente de dez anos de histórico dele. Banco B vê isso isoladamente e pode sinalizar. Mas o Bacen veria a inconsistência entre a validação inicial e o comportamento subsequente em visão integrada. Detectaria o roubo de identidade imediatamente.
Documento clonado em quinze contas? Cada banco individual vê um cliente legítimo. O Bacen percebe que o mesmo documento está em quinze contas com padrão de fraude conhecido. Fraude coordenada com cinquenta contas abertas em cinco bancos no mesmo dia? Cada banco vê seus clientes normais. O Bacen identifica um padrão coordenado impossível de ser coincidência.
Sanções internacionais também. Hoje, cada banco integra listas de OFAC, ONU e UE em momentos diferentes. Um resultado pode ser detectado em um banco na segunda-feira e em outro banco na quarta-feira. O Bacen faria isso de modo único e simultâneo para toda a rede.
As objeções não procedem
Alguém vai dizer que dados centralizados são alvo de hacking. Portugal e Estônia responderam isso: centralizado bem feito é mais seguro. Com cinquenta repositórios descentralizados, você tem cinquenta superfícies de ataque. Com um bem defendido, você tem um. E o Bacen tem infraestrutura de segurança que nenhum banco individual consegue montar.
Alguém vai dizer que bancos perdem autonomia. Não perdem. A centralização é apenas de validação de identidade. Confirmar que a pessoa é quem diz ser. Cada banco continua com sua própria avaliação de risco de crédito, sua própria política KYC estendida, seu próprio monitoramento contínuo. A centralização é da base, não da decisão.
Alguém vai dizer que o Bacen já tem problemas com sistemas. Verdade. Mas isso é razão para investir em modernização, não para perpetuar ineficiência. Open Banking e Pix provaram que o Bacen consegue construir infraestrutura compartilhada quando quer.
O que isso seria tecnicamente
Um serviço centralizado hospedado no Bacen ou em consórcio com os maiores bancos. Uma API padronizada para todos acessarem. Um framework de consentimento baseado nos padrões europeus, onde o cidadão autoriza com quem seus dados podem ser compartilhados. Criptografia end-to-end para dados sensíveis. Auditoria imutável. Renovação automática quando documentos expiram. Nada disso é tecnicamente impossível. Vários países já fazem.
Conclusão
O valor real é reconhecer que o Bacen está em posição privilegiada para realizar a validação de identidade melhor do que qualquer banco individual. Não porque os bancos sejam incompetentes. É porque o regulador vê padrões que emergem apenas quando você olha para a rede inteira. Eliminar de 90 a 150 milhões de duplicações por ano é um benefício. Detectar fraude, lavagem de dinheiro e crimes financeiros de forma muito mais eficaz é o verdadeiro valor. E ter um padrão único, consistente e confiável para toda a infraestrutura financeira é uma estratégia. Portugal economiza. Estônia economiza e detém mais fraudes. Singapura provou a viabilidade técnica. A Europa legislou nessa direção. O Brasil tem a oportunidade de reconhecer que a validação de identidade é um serviço que funciona melhor quando o regulador o centraliza.